Infidelidade Conjugal e Danos Morais: A Possibilidade de Cláusula Indenizatória em Pacto Antenupcial

A infidelidade conjugal é, indiscutivelmente, uma das maiores causas de dissolução das uniões afetivas no Brasil. O impacto emocional provocado por uma traição pode ser profundo, especialmente quando acompanhado de exposição pública, escárnio ou violação reiterada da confiança. Apesar disso, o ordenamento jurídico brasileiro não reconhece, como regra, o direito automático à reparação civil em […]

Família
19.07.2025

A infidelidade conjugal é, indiscutivelmente, uma das maiores causas de dissolução das uniões afetivas no Brasil. O impacto emocional provocado por uma traição pode ser profundo, especialmente quando acompanhado de exposição pública, escárnio ou violação reiterada da confiança. Apesar disso, o ordenamento jurídico brasileiro não reconhece, como regra, o direito automático à reparação civil em razão da simples infidelidade, mesmo quando esta contribui decisivamente para o fim do relacionamento.

No ano de 2019, publiquei um artigo na revista Scientia Ivridica, em Braga (Portugal), que pode ser acessado neste link:

https://encurtador.com.br/shyK7

Contudo, cabe mencionar que desde 2019 até a presente data, pouco mudou. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou entendimento no sentido de que o sofrimento íntimo gerado pela traição faz parte do campo das relações interpessoais e não configura, por si só, dano moral juridicamente indenizável (REsp 1.159.242/MG). Tal entendimento vem sendo adotado em diversas decisões de Tribunais de Justiça, como no caso do TJRS, que costuma exigir circunstâncias agravantes — como humilhação pública, má-fé notória ou violência emocional grave — para reconhecer o dever de indenizar.

A responsabilidade civil nas relações afetivas

A evolução do Direito de Família no Brasil tem incorporado a ideia de que os vínculos conjugais não se encontram à margem da responsabilidade civil. Como leciona Maria Berenice Dias:

“A responsabilização civil nas relações familiares vem ganhando espaço. O desrespeito à dignidade da pessoa humana, à liberdade e à boa-fé pode gerar reparação moral, inclusive nas relações conjugais.”
(DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.)

A traição, por si só, não é fato gerador de indenização. No entanto, quando o comportamento do cônjuge extrapola os limites da intimidade e viola frontalmente a dignidade e o equilíbrio emocional do outro — por meio de escândalos, exposição deliberada ou crueldade psicológica —, pode ser reconhecida a configuração de dano moral.

Exemplos incluem traições notórias com conhecimento público, manutenção de duplo relacionamento em ambiente familiar, ofensas verbais ou acusações falsas com intenção de humilhar o cônjuge traído.

A autonomia privada no pacto antenupcial

A crescente valorização da autonomia privada no Direito das Famílias tem levado muitos casais a discutirem, previamente, os termos do relacionamento conjugal. O pacto antenupcial, previsto no art. 1.639 do Código Civil, é o instrumento por excelência para esse fim, especialmente no que se refere ao regime de bens. Contudo, nada impede que esse contrato aborde também aspectos extrapatrimoniais, desde que não viole normas de ordem pública ou direitos fundamentais.

Como ensina Giselda Hironaka:

“A autonomia da vontade nos contratos familiares é compatível com a afetividade, desde que respeite os limites do ordenamento. Cláusulas que disciplinam condutas pessoais são possíveis, ainda que não plenamente coercíveis.”
(HIRONAKA, Giselda. Contratos de Família. São Paulo: Saraiva, 2018.)

Assim, embora o Judiciário não reconheça cláusulas penais punitivas automáticas por infidelidade, é viável inserir cláusulas que:

  • Reforcem o dever de lealdade;
  • Estabeleçam parâmetros indenizatórios indicativos para casos de infração grave ao dever de confiança;
  • Reconheçam a relevância da fidelidade como expectativa legítima das partes.

Jurisprudência favorável à reparação em casos de traição com abuso

Alguns julgados do TJRS e de outros tribunais estaduais vêm reconhecendo o dever de indenizar quando o adultério se associa a condutas abusivas. Exemplos:

  • TJRS – Recurso Cível nº 71006822209: condenado o ex-companheiro que, além da traição, proferiu acusações vexatórias sobre a paternidade de um dos filhos, gerando humilhação pública.
  • TJSP – Apelação Cível nº 1000422-38.2016.8.26.0048: reconhecido o dano moral em razão da exposição pública da relação extraconjugal, com agravamento do sofrimento da parte traída.

Essas decisões demonstram que o comportamento doloso, público e humilhante do traidor pode romper a barreira entre o dissabor íntimo e a violação da dignidade juridicamente reparável.

A cláusula indenizatória como reforço da boa-fé

Uma cláusula contratual que estabeleça a possibilidade de indenização por dano moral em caso de infidelidade associada a má-fé ou exposição vexatória pode não ter eficácia executiva automática, mas reforça o compromisso entre os cônjuges e pode ser considerada prova da violação da confiança e da gravidade do comportamento lesivo.

Conclusão

A inserção de cláusula indenizatória por traição em pacto antenupcial é juridicamente possível, desde que redigida com prudência e respeito aos princípios constitucionais. Embora não gere obrigação de pagamento automática, pode representar um reforço legítimo à boa-fé, à transparência e à dignidade na relação conjugal, servindo como instrumento probatório relevante em eventual ação de reparação civil.

A infidelidade, quando somada à humilhação ou ao escárnio, transborda a esfera íntima e atinge o campo da responsabilidade civil, autorizando, excepcionalmente, a tutela jurisdicional indenizatória.

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